sábado, 25 de julho de 2009

O EDIL


Jamil engoliu um calmante, banhou-se e acomodou-se na poltrona da sala procurando distrair-se com o jornal televisivo. Ansioso, consultava o relógio de minuto em minuto. Muitas vezes levantou-se para verificar se o seu terno italiano - comprado no Paraguai com todas as suas economias - estava impecável.
- Tininha, ô Tininha! Tô achando esse terno um pouco amarrotado... Dá pra você dar um jeitinho?
A mulher contava até dez para não estourar de cólera. Estava esgotada de tanto se dedicar àquele pedaço de pano. Entretanto, resistia; pois sabia que aquele seria o momento mais importante da vida do marido.
O relógio enfim atingiu às sete horas. Jamil saltou da poltrona e vestiu o terno. A esposa desmoronou esvaecida e feliz.
- Não quer mesmo vir comigo, querida? - convidava fiscalizando-se no espelho.
- Outra vez eu vou... outra vez...
- Será que estou bem assim?
- Está maravilhoso... Ma-ra-vi-lho-so.
Jamil deu-lhe um breve beijo, rejeitando o abraço - poderia amarrotar-lhe o indumento. Instalou-se no fusquinha 80 e rumou para a câmara municipal. "Falta pouco para trocar esse caco velho." Pensava.
Estacionou o veículo a duas quadras. Envergonhava-se de sua condição financeira. Não tivera muitas oportunidades na vida. Talvez por ter cursado apenas até a segunda série do ensino básico. Só não era ignorante porque sabia escrever muito mal o seu nome. Quando pediam para fazer as leituras na igreja, desculpava-se dizendo que sem os óculos - que deixava propositadamente em casa - não conseguia enxergar aquelas letrinhas. Sabia ler sim; mas, custava a reunir sílabas. E, apesar de quase ignaro, conseguira se eleger por ser prestativo e querido por toda a comunidade.
- Seja bem vindo para a posse, nobre edil?
Ajustando a gravata, olhou com indiferença para o grupo onde um homem adiposo, com pouco mais de metro e meio trajava um terno verde, camisa amarela e gravata azul. Era o Zidorinho Bandeira, candidato oposicionista, reeleito com o maior número de votos, entre outros reeleitos.
- Se me permite corrigi-lo, nobre colega, meu nome não é Edil.
Puxando os óculos para a extremidade do nariz, ranzinzou:
- Meu nome é Jamil.
E sobre as gargalhadas da plêiade veterana, ascendeu às escadarias que davam acesso à câmara municipal.
Cada degrau superado agravava-lhe os tremores pelo corpo e a sudorese na fronte abstêmia de cabelos. Nem mesmo o calmante que ingerira antes de sair de casa, conseguia arrefecer-lhe os nervos.
No recinto as pessoas se comprimiam para assistirem a primeira sessão. Naquela cidade era tradição que os representantes de bairros comparecessem a todas as sessões para exigir que as promessas de palanque fossem cumpridas.
Aos poucos a edilidade acomodou-se nas poltronas italianas. Zidorinho Bandeira, assumindo a presidência, assomou o microfone e ordenou:
- Todos em pé para iniciarmos a nossa primeira sessão cantando o Hino Nacional.
Após o ato cívico e as formalidades da ocasião, o presidente determinou:
- Sejam todos bem vindos à nossa casa. A partir de agora, cada um dos nobres colegas deve colocar em pauta as reivindicações da população.
Jamil havia reunido na memória diversos pedidos. Aguardaria a sua vez para explaná-los.
O primeiro a manifestar-se foi Dito Bola, empresário renomado na cidade, proprietário de vários imóveis.
- Agradeço a confiança do povo em me reeleger. Darei continuidade ao meu trabalho. E gostaria de iniciar protestando contra o poder executivo que pretende elevar em 20% o IPTU. O povo não suporta mais aumento de imposto.
"Sobre o IPTU não posso mais falar" pensava Jamil, eliminando um item da relação em sua memória, enquanto a platéia aplaudia eufórica.
Outro vereador levantou-se e comentou:
- Solicito esclarecimentos sobre a pintura do mercado municipal. Inauguraram-no apenas com a pintura de duas paredes. Quando irão completar o trabalho?
Receando ficar sem argumento, Jamil levantava o braço com o indicador em destaque requerendo a palavra. Zidorinho Bandeira fazia vistas grossas até impacientar-se:
- Aguarde a sua vez, nobre edil. Agora o direito à palavra é de Jair Combosa.
- Temos que lutar contra o monopólio dessa empresa de ônibus que presta serviços em nossa cidade. Quero dizer: serviço não. Um desserviço, isso sim. Precisamos garantir a qualidade e pontualidade nas linhas - esbravejou o líder dos transportes alternativos.
Cada edil que se deslocava até a tribuna, antecipava as colocações de Jamil que começava a desesperar-se. Quando Tonho Mão-de-Gato concluiu sua elocução, Jamil se desesperou. Finalmente havia chegado a sua vez. Mas, o que iria dizer? Sentiu tontura quando Zidorinho Bandeira olhou para ele.
- Chegou a sua vez, nobre edil... A tribuna é toda sua.
Desconcertado afastou a poltrona para se levantar. Quase caiu. Ajustou a gravata que parecia querer asfixiá-lo. Enfiou as mãos no bolso procurando o lenço. Enxugou o suor da fronte e limpou as lentes dos óculos. Caminhou tremulamente para a tribuna. Ajustou o microfone. Pigarreou limpando a garganta. Direcionou os olhos para os espectadores. Sentiu um calafrio na barriga que antecedeu a fortes dores. Poderia ser uma reação adversa do calmante. Entre trejeitos de dor, exprimia um sorriso de segurança, pois havia encontrado refúgio naquelas cólicas. Quase de cócoras, agarrou o microfone e gritou:
- Por favor... alguém pode me dizer onde fica o banheiro?
Ao ver o dedo indicador de um funcionário da câmara que dizia: "É por ali", saiu correndo para iniciar suas atividades edílicas.


Premiado no CONCURSO 7º PRÊMIO MISSÕES

2 comentários:

  1. Dáguima Verônica de Oliveira26 de julho de 2009 às 14:04

    Maurício, muito oportuno e inteligente o EDIL.
    Exatamente assim acontece. A oposição nunca
    dá voz nem vez, nem para o povo "do contra",
    muito menos para os políticos que se elegeram
    de partido contrário ao do prefeito eleito.
    Imagine se não fosse a dor de barriga?
    Pobre Jamil,além de já terem dito tudo ele
    não tinha condição psicológica de falar...Parabéns!

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