sábado, 30 de agosto de 2014


NÓS

 

Tem dias
que desatamos
o nó
da gravata

e continuamos sufocados
pelo

na garganta
 

Maurício Cavalheiro – 17/05/2013
(in: Voo Inaugural: poesia a oito mãos)

CONVERSA DE MENINAS

 
A de vestido azul
dizia:
- bom seria se meus olhos
tivessem a cor do céu.
 
A de colar dourado
previa:
- eu seria bem mais linda
com olhos da cor do mel.
 
A de bermuda rosa
pedia:
eu queria ter os olhos
cor de noite sem luar.

 A de tênis florido
sofria:
- porcaria de meus olhos
sem a cor verde do mar.

 E a que estava calada.
sorria
e pedia a Deus que, um dia
Ele a fizesse enxergar.

  

Maurício Cavalheiro – 21/05/2013

sexta-feira, 29 de agosto de 2014



ANTIBULLYING

 
Tem gente
que tem orelha grande,
tem piercing no umbigo,
verruga no nariz.

E o que é que tem?

Tem gente
que tem cabelo curto,
comprido, colorido...
tem gente que não tem.

E o que é que tem?

Tem gente
que não ouve direito,
que enxerga muito pouco,
tem gente que não fala.

E o que é que tem?

Tem gente
que é gorda ou magrela,
que é alta ou baixinha,
e tem as que nem tanto.

E o que é que tem?

Tem gente
afra, branca ou amarela,
de sapato, de chinelo
e de pés no chão.

E o que é que tem?

Não importa
se somos diferentes
gente sempre é gente
você e eu também.


Maurício Cavalheiro – 05/12/2013

ADOLESCÊNCIA
 

Cheguei em casa
esbaforido.
Tranquei-me no quarto
e deitei.

Olhos no infinito,
sorriso indissolúvel.

Cometi o meu primeiro crime:
roubei um sorriso!
Gostei tanto
que amanhã roubo o coração também.


Maurício Cavalheiro – 29/05/2013

quinta-feira, 28 de agosto de 2014


Reunião da Academia Pindamonhangabense de Letras

Eu era piquinininho quano morava na roça
ca minha mãe, co meu pai, cos seis irmão na paioça.
Acordava bem cedinho, antes do galo cantá,
e isperava o sór nascê, pa dispois mi alimentá.
Memo coa pança istufada, eu corria bem ligero
pa dá mio pas galinha e pos porco no chiquero.

Quano cabava o trabaio eu brincava co Totó,
o cachorro vira-lata que ganhei da minha vó.    
Dispois, deitado no chão, eu oiáva os passarinho
que avuava na manguera, pa cuidá dos fiotinho.
Eu tamém gostava muito de brincá co meus irmão:
pega-pega, esconde-esconde, bola de gude, pião...

Tempo bão... inté qui um dia meu pai disse assim: “Meu fio,
já arrumei as suas mala, e num quero ovi um pio.
Eu quero ocê na cidade, cos miores professô.
Istude, meu fio, istude, inté ocê virá dotô”.

Foi co lágrima nos zóio, que fui embora dali
dexano minha famia e o lugá onde nasci.                                  
Veno os meus zóio vermeio, durante toda a viage,
a madrinha me abraçava e me dizia: “Corage”.

Quano cheguei na cidade, oiei as casa cumprida;
“São edifiço” - me disse, minha madrinha querida.

Na escola sofri dimais, purque os menino marvado
dizia que eu era burro, pois falava tudo errado.
A fessora tamém disse, mai disse cum todo jeito,
se eu quisesse sê dotô, tinha que falá direito.    
                                   
Desde então fui corrigindo o meu jeito de falar.
Li muitos livros e nunca, nunca parei de estudar.
Fui um aluno aplicado, lutei por minha conquista,
e, como meu pai previa, sou doutor: cardiologista.

Os meus pais não sofrem mais com a penúria da roça;
e eu, sou o mesmo menino que morava na palhoça.
Com cada gesto pretendo semear só coisas boas,
e, assim, inundar de amor o coração das pessoas.


Maurício Cavalheiro

(in: Voo inaugural: poesia a oito mãos)
RECONSTRUÇÃO

Desconstruir muralhas:
desaprender trapaças
desmemoriar vinganças
desprometer mentiras
desativar vilezas.

Despoluir condutas:
desenlaçar bondades
desamarrar ternuras
despreterir verdades
descongelar o Amor.



Maurício Cavalheiro – 16/10/2013
RESIGNAÇÃO



Se a semente escava até a superfície
e, artífice,
estende os braços,
com paciência,
para encontrar o céu...

Se a lagarta espera em seu viscoso abrigo
pela chave
que abrirá o postigo
para a liberdade...

Se a noite borda, com fios de paciência,
lua e estrelas,
enquanto aguarda
o sol se por...

Por que te inquietas?
Por que crias anseios emergenciais?



Maurício Cavalheiro – 16/05/2013
REVELAÇÃO

A seiva que brota
das entranhas da terra
e escorre
por sinuosidades
fazendo milagres
aqui, ali e acolá,
tem um nome:
D

O sopro que passeia
pelos teus cabelos
que empurra
o barco à vela
e despenteia
os trigais,
tem um nome:
DE

A esfera-labareda
suspensa no infinito
que engole sombras
inutiliza casacos
bronzeia a pele
e acende sorrisos,
tem um nome:
DEU

O leito que germina,
floresce, frutifica, oxigena,
sustenta passos, horizontes,
montanhas, mares, moradias...
Enfim,
tudo o que há do Bem
tem um nome:
DEUS!



Maurício Cavalheiro – 01/09/2013
ARDIL


Roubou palavras
de poemas
para domesticar o coração
que traíra.

Na articulação
faltou lisura
faltou ternura
faltou a contrição imaculada.

E o amor morreu
Por verborragia.



Maurício Cavalheiro – 16/07/2013
SAUDADE


Tem dias que sinto
mais saudade
de você

por exemplo:

segunda-feira
terça-feira
quarta-feira
quinta-feira
sexta-feira
sábado
domingo

nos dias pares
e ímpares
durante o dia, tarde, noite
e
madrugada


só isso
mais nada.



Maurício Cavalheiro – 13/04/2014
SEDUÇÃO

Eu quero te dar um beijo
que
e
s
c
o
r
r
a
pelo queixo
até
te deixar fora do eixo.


Maurício Cavalheiro – 17/05/2013
SENTENÇA
Um dia a primavera
não brotará
ramagens.

Um dia
os capilares
perderão o viço.

Um dia a primavera
não bordará
flores.

Um dia
o ventre
se tornará estéril.

Um dia a primavera
não tolherá
carquilhas.

Um dia
o enruguescer
estará completo.

E assim,
um dia
as esmeranças desbotarão.

E assim,
um dia,
conforme  as escrituras,
tudo voltará a ser
pó.


Maurício Cavalheiro – 22/09/2013
SERPENTÁRIO

Vivo 
sobre
ofídicos

sobre
ofídicos
sobrevivo.

Maurício Cavalheiro – 10/01/2014
SOB CONTROLE


Depois de muito tempo
e
qui
li
brou
-se:

saiu
do calabouço
financeiro
desde que gritou:

Cala, bolso!



Maurício Cavalheiro – 05/09/2013
SOBREAVISO

E se, de repente,
a semente protelasse,
recalcitrasse
em  não arborescer?
Onde é que os passarinhos
iriam tecer seus ninhos?

E se, de repente,
o alimento fenecesse
e prescrevesse
o início do porvir?
Será que Deus mandaria
um cesto com ambrosia?

E se, de repente,
a nascente não fluisse
e repelisse
o curso do excretor?
Como iria conjugar
o verbo dessedentar?

E se, de repente,
fosse insistente o calor
a decompor
os restos de esperança?
Onde acharia o desvio
pra fugir do desvario?

E se, de repente,
o “de repente” acontecesse?



Maurício Cavalheiro – 05/06/2013
TEM GENTE QUE SÓ PENSA...


Tem gente que só pensa
em ter carro de luxo
enquanto muitos têm
perna amputada.

Tem gente que só pensa
em ter casa na praia
enquanto muitos moram
na calçada.

Tem gente que só pensa
em juntar dinheiro
e deixa faltar pão
dentro do lar.

Tem gente que só pensa
em cuidar do próprio umbigo
e deixa filha e/ou filho
ao deus dará.

Tem gente que só pensa
em ter corpo sarado
e deixa o coração
enrijecer.

Tem gente que só pensa
que o mundo não dá voltas
que nunca do apogeu
irá descer.

Tem gente que só pensa
em se dar bem em tudo
e fode qualquer um
sem piedade.

Não que seja errado
querer isto ou aquilo
é tudo uma questão
de probidade.


Maurício Cavalheiro – 08/01/2014


Tempo Irascível



O tempo
antagoniza o ferro elétrico:
quanto mais passa
mais enruga.

A epiderme devastada
infringe a lei
da vaidade
que busca se iludir por nada.

Dior, Vuitton, Yves Saint Laurent
Gucci, Lanvin, Chanel...
Armaduras para o afã
de se cobrir andrajos.

As mãos de Pitanguys
cortam, esticam,
no passatempo
de burlar o tempo...
O tempo ninguém burla!

O tempo
antagoniza o ferro elétrico
quanto mais passa
mais enruga.


Maurício Cavalheiro – 31/03/2013 – 10h08
TERNURA

 É tão fácil
 colorir a vida alheia...
 basta um sorriso
 e a alma cheia
 de improviso.


 Maurício Cavalheiro – 29/06/2013
TRAIÇÃO

Depois
da merda feita
não há papel
que higienize
o ato.


Maurício Cavalheiro – 01/02/2014
UBÍQUO


NEM
TUDO
É EFÊMERO
NO
UNI
VERSO



NE
T DO
É   FÊMERO
N
U  I
V RSO 



N
T D
E     EMERO
N
U    
V RS 



N
      D
         MERO

U    
       RS 



N
      D
           E  O

U    
        S 





      D
           E 

U    
        S 
                                                                       




M a u   í c i       C a v   l   e   r o – 20/ 9/2 13
UL(TRAJES)


Aquelas roupas no varal
não vestem reis,
nem presidentes,
nem ditadores.

Elas têm manchas irremovíveis
do suor da faina.

Aquelas roupas no varal
são de tecido rude
e não cobrem o corpo
de qualquer um.

Elas não incomodam
o corpo enrijecido por batalhas.

Aquelas roupas no varal
foram descoloridas
pelas mãos do tempo.
Para muitos só seriam panos de chão.

O corpo necessita desnudar-se
do vulgar
da soberba
da ostentação.

Aquelas roupas no varal
são minhas.



Maurício Cavalheiro – 14/09/2013
UM PINGO DE VIDA


Submersa no oceano árido,
a semente secular monologa
sobre a espera interminável:
“É inútil gritar - o mundo é mouco...”

Enquanto o dia aprimora sóis
e a noite superlativa hálitos glaciais,
o desalento se alenta
para o nunca mais.

Quando a sentença parece irreversível,
uma nuvem solitária paira no manto azul
e, infringindo regras,
se metamorfoseia: gota que
e
s
c
o
r
r
e
para embebedar a semente.

A terra estremece!

Na imensidão do nada,
o ímpeto rasga a sepultura
e a vida experimenta, pela primeira vez,
a vida.

O milagre é atemporal.
Não há solo infértil,
há ausência de irrigação.




Maurício Cavalheiro
VIRGINDADE

Quando a Imaculada morreu
sem namorar
sem noivar
sem casar
descobriram seu segredo:

na boceta
escondia
um vibrador
(que jamais usara)

Morreu imaculada.



Maurício Cavalheiro – 18/12/2013
VIZINHANÇA


Há uma mulher naquela casa
que organiza,
lava, passa e cozinha;

que esmera
o asseio da morada,
do amanhecer até à noitinha;

que educa,
leva os filhos para a escola, ao pediatra...
cumpre todas as urgências;

que deixa
os chinelos preparados
para o deleite da iminente prepotência;

que deita
com o ser mais abjeto
que perjurou amor sobre o altar;

que após usada
tal qual ínfimo objeto
já não consegue omitir o prantear.

Há uma mulher naquela casa
precisando ser amada,
precisando de um homem verdadeiro.

Qualquer dia desses
será roubada
pelos doces olhos de algum jardineiro.



Maurício Cavalheiro - 24/10/2013