quinta-feira, 28 de agosto de 2014


Eu era piquinininho quano morava na roça
ca minha mãe, co meu pai, cos seis irmão na paioça.
Acordava bem cedinho, antes do galo cantá,
e isperava o sór nascê, pa dispois mi alimentá.
Memo coa pança istufada, eu corria bem ligero
pa dá mio pas galinha e pos porco no chiquero.

Quano cabava o trabaio eu brincava co Totó,
o cachorro vira-lata que ganhei da minha vó.    
Dispois, deitado no chão, eu oiáva os passarinho
que avuava na manguera, pa cuidá dos fiotinho.
Eu tamém gostava muito de brincá co meus irmão:
pega-pega, esconde-esconde, bola de gude, pião...

Tempo bão... inté qui um dia meu pai disse assim: “Meu fio,
já arrumei as suas mala, e num quero ovi um pio.
Eu quero ocê na cidade, cos miores professô.
Istude, meu fio, istude, inté ocê virá dotô”.

Foi co lágrima nos zóio, que fui embora dali
dexano minha famia e o lugá onde nasci.                                  
Veno os meus zóio vermeio, durante toda a viage,
a madrinha me abraçava e me dizia: “Corage”.

Quano cheguei na cidade, oiei as casa cumprida;
“São edifiço” - me disse, minha madrinha querida.

Na escola sofri dimais, purque os menino marvado
dizia que eu era burro, pois falava tudo errado.
A fessora tamém disse, mai disse cum todo jeito,
se eu quisesse sê dotô, tinha que falá direito.    
                                   
Desde então fui corrigindo o meu jeito de falar.
Li muitos livros e nunca, nunca parei de estudar.
Fui um aluno aplicado, lutei por minha conquista,
e, como meu pai previa, sou doutor: cardiologista.

Os meus pais não sofrem mais com a penúria da roça;
e eu, sou o mesmo menino que morava na palhoça.
Com cada gesto pretendo semear só coisas boas,
e, assim, inundar de amor o coração das pessoas.


Maurício Cavalheiro

(in: Voo inaugural: poesia a oito mãos)

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