sexta-feira, 10 de outubro de 2014

SENTENÇA

Um dia a primavera
não brotará
ramagens.

Um dia
os capilares
perderão o viço.

Um dia a primavera
não bordará
flores.

Um dia
o ventre
se tornará estéril.

Um dia a primavera
não tolherá
carquilhas.

Um dia
o enruguescer
estará completo.

E assim,
um dia
as esmeranças desbotarão.

E assim,
um dia,
conforme  as escrituras,
tudo voltará a ser
pó.



Maurício Cavalheiro – 22/09/2013
SÚPLICA VIRAL


Gripe, gripe
se dissipe
leve embora
a cefaleia
que eu preciso laborar.

Leve as dores
musculares
que eu sinto
em lugares
que nem ouso declarar

Leve os picos
termométricos
e arrepios
quilométricos
que insistem em não cessar.

Leve embora
esta coriza
que obstrui
que paralisa
pois eu quero respirar.

Gripe, gripe
se dissipe
leve embora
a cefaleia
que eu preciso laborar.


Maurício Cavalheiro – 19/05/2013

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

CURTO-CIRCUITO


Não nasci
com manual de instrução;
talvez seja, por isso,
que a vida tenha feito
o que bem quer de mim.

Talvez tenha me tirado
um parafuso
ou outra peça
que ainda não identifiquei.

Talvez
eu não funcione direito,
talvez seja
um brinquedo ultrapassado.

Mas nada disso importa!

Mesmo com minhas limitações
sei que o poente
é uma incógnita...

...enquanto isso,
amanheço
e floresço versos.



Maurício Cavalheiro – 16/09/2013
CONVENIÊNCIAS


(com raras exceções)

o cão
só procura o pote de ração
quando a fome vem.

pessoas
só procuram por outras
quando lhes convém.


Sai pra lá, matilha!



Maurício Cavalheiro

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

DISTÂNCIAS


cá pra lá De
a distância é a mesma
seja pra um coelho
seja pra uma lesma.

Depois da perjura
não procuro mais
cá pra lá de
pra mim, tanto faz.



Maurício Cavalheiro – 24/08/2014
CON JU(L)GAÇÃO


Quem me pretere
que seja
em pretérito perfeito
pois também
seu conjugar.



Maurício Cavalheiro – 10/01/2014

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

PRESSÁGIO



A louca
tem cabelos desgrenhados
de algodão sem brilho,
roupa suja, puída,
igual a vida que escolheu.

A última palavra que emitiu
envelhecera há décadas,
agora omite frases, gritos,
declarações tardias
de amor.

Fica horas
na cadeira de balanço
com um sorriso desvalido
recosturando o passado
que rasgara
com o adeus desprecavido.

Não raro,
permite que uma lágrima escorra
pela pele opaca.
(Ela é louca! Quem se importará?)

Não foi a esclerose
que deixou sequela
naquela mão que os olhos plangentes vigiam
diuturnamente.
(Não há atrofia
- como todos acreditam)

A mão fechada
guarda um tesouro,
o elo do arrependimento:
um anel
de compromisso.

Quem sabe o par repouse
em outra mão
com outro louco
que o amor
diagnosticou.



Maurício Cavalheiro – 12/09/2013
QUALQUER DIA...

Qualquer dia
pego as minhas coisas
e vou morar
no topo da montanha;

lá, a solidão é menos severa
e a primavera
não é artificial.

Qualquer dia
pego as minhas coisas...

Mas, quais coisas preciso?

Dinheiro?
Não tenho!
Automóvel?
Não tenho!
Roupa de grife?
Não tenho!

Qualquer dia
pego os meus nadas
e vou morar
no topo da montanha;

lá, correrei atrás do pôr-do-sol.
afagarei a lua.
colherei estrelas
e viverei minha loucura
com muita sensatez.


Maurício Cavalheiro – 16/07/2013

terça-feira, 30 de setembro de 2014

PROCURAS


Está vendo aquela estrela?
Eu já estive lá
a sua procura
numa noite em que a lua
estava cheia
de meu planger.

Está vendo o horizonte?
Eu já estive lá
buscando as suas retinas
e quase me afoguei
nos oceanos
lacrimais.

Está vendo aqueles jardins?
Eu já estive lá
procurando entre as flores
um certo perfume,
mas nenhum dos olores
era o seu.

Depois de muitas procuras
aprendi a fechar os olhos,
pois descobri que você
só existe em
mim.



Maurício Cavalheiro – 06/09/2013
TROCAS


Trocou os pés descalços,
os chinelos,
por Rita Hayworth Heels.

Trocou jeans e camisetas
confortáveis
por Coco Chanel.

Trocou o relógio
de camelô
por Cartier.

Trocou a bolsa
da feira
por Prada.

Trocou passeios
de bicicleta
por viagens intercontinentais.

Trocou o escapulário
por diamantes
L’Incomparable.

Trocou o Amor
por quinquilharias
e morreu...

infeliz
e
pobre.



Maurício Cavalheiro – 07/09/2013

sábado, 27 de setembro de 2014


ALPINISMO

 

                                                                                     A
                                                                            A  N  H
                                                                            T
                                                                  M  O  N
                                                                  A
                                                         P  O  D
                                                         O
ÀS VEZES É PRECISO             R  O  T                                  
D                                              I
E                                      I  N  G
S                                      T
C                             R  A  A
E                             A
R                             P

 
 

 Maurício Cavalheiro – 16/05/2013

FURACÃO

 

 Amor que não se eterniza
é apenas uma
brisa
bris
bri
br
b


que nos escraviza.

 

 
Maurício Cavalheiro – 27/09/2014

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

CAMINHEIRO


Aos poucos
vai ficando para trás
o que não é verdadeiro.

(Às vezes,
será preciso trocar a pele
para perder nódoas

e, em outras,
engendrar cascos
será a solução)

Algumas sombras
sombreviverão
de março a fevereiro,

alguns rastros
ficarão intatos
depois de chuvas e ventanias.

Não há volta;
a única escolta
é a do Oni: presente, sciente, potente.

Nada mais é preciso
para a travessia
cheia de crateras.




Maurício Cavalheiro – 20/12/2013

matizes

ANDANÇAS


Eu sou feito do pó
das estradas
que percorro,
por onde deixo rastros
e odores.

Eu ouço sons diversos
que plagio
em  poemas,
usando as escalas
das flores.

Eu colho, co’as retinas,
as neblinas
e auroras,
e deixo, fatalmente,
digitais.

Eu sinto os sabores
dos minutos
pressurosos...
(quem dera eles fossem
perenais).

Eu encho o coração
co’esperanças
lenitivas...
o tempo será sempre
aleatório.

Eu sigo as alternâncias
das distâncias
e sentidos:
a vida é um contrato
rescisório.

Maurício Cavalheiro -  09/06/2013 

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A ORELHA

Cartilagem acústica
que não coa
o mal que ecoa
na palavra ríspida,
na palavra rústica.

Cartilagem acústica
por onde a mensagem
doce,
amarga,
 agridoce,
inicia a aterrissagem
no coração.

Maurício Cavalheiro – 06/05/2013 
A ARTESÃ

A fada envolta em véus
percorre os campos...
de dia inventa flores
e, à noite,
pirilampos.

Com um pincel sutil,
tinge os confins:
remove o esmaecido
com as cores
de jardins.

Com o tear portátil
fia raios de sol
e cria trigais,
fia o luar
e cria versos de amor.

A fada envolta em véus
não esmorece:
perfuma cada canto
com o hálito
da prece.



Maurício Cavalheiro – 22/10/2013

terça-feira, 23 de setembro de 2014

VALSA DAS FLORES


A flor no cabelo
da menina-flor
perfuma o presente
e inventa futuros

a menina
odopiar
dopiaro
opiarod
piarodo
iarodop
arodopi
rodopia

sonhando ser
bailarina




Maurício Cavalheiro – 07/09/2014
SEM HORA MARCADA



Arranquei os ponteiros dos relógios convencionais
e as baterias dos digitais
ensombreci os de sol
explodi atômicos
destruí ampulhetas
deixei meu tempo sem rédeas

rasguei gravatas e formalidades
fiquei descalço
e redescobri o antigo mundo novo

agora tenho tempo
para primaveras
pores do sol
luares
beijos e abraços

agora tenho tempo
para viver.



Maurício Cavalheiro – 04/09/2014
FOFOCA


Na casa da viúva só entra
quem mete o pau
e vai embora

Na casa da viúva
é um entra e sai
de hora em hora.


Maurício Cavalheiro – 18/09/2014

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

INVEJA

Deus criou a relva
o homem, o asfalto

Deus criou as árvores
o homem, os edifícios

Deus construiu as aves
o homem, o avião

Deus criou mares, rios, lagos...
o homem, o esgoto

Deus criou a flor
o homem, a bomba

Deus criou a fidelidade
o homem, a libertinagem

Deus construiu o Amor
o homem, o avesso

Deus criou o Paraíso
o homem, o inferno.

Deus criou o homem
e o homem se imperfeiçoou .


Maurício Cavalheiro – 18/09/2014


EX-TADO DE COMA

Ontem,
tive dois dedos de prosa
com a morte.

A porta estava aberta
e a peregrina me abordou no leito.

Envolta em véus
ofereceu-me os seios intumescidos
e arfantes de desejo.

O ventre róseo
escorregava meus olhos
para o jardim abaixo do umbigo.

Com dulçor na voz
sussurrava, ao meu ouvido,
promessas de paraíso.

Entretanto,
o hálito polar
do beijo apocalíptico
rompeu a abordagem...
e eu disse não.

Resisti a dois dedos de prosa.
Teria ido
por um dedo apenas
de poesia.



Maurício Cavalheiro – 25/08/2014

sábado, 20 de setembro de 2014


ENCALHE

  
História de Amor
sem coautoria
nunca será
um best-seller.

  
Maurício Cavalheiro – 27/05/2014

 

MONOGAMIA

 
Talvez não creias,
mas meus lábios não mais planejam beijos:
o último foi teu.

 
Talvez duvides,
mas meu corpo não foi mais de ninguém,
meu corpo ainda é teu.

 
Talvez tu penses
que vivo por aí de flerte em flerte...
juro: não sou assim.

 
Mesmo distante,
não esqueças: serei fiel enquanto
você viver em mim.

  

Maurício Cavalheiro – 14/06/2014

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

POLITITICA

Na briga
entre rato e rato
sobra o excremento
ao povo

resta ficar
de queijo
c
a
í
d
o.


Maurício Cavalheiro – 03/09/2014
OFICINA

desconserto
desconser
descon
des

to
serto
conserto

Mauricio Cavalheiro – 15/09/2014
VERDADES E MENTIRAS


Quando a mentira
é de verdade
as erosões
não se detêm

quando a verdade
é de mentira
também

Quando a mentira
é de mentira
em alguns casos
fica bem

quando a verdade
é de verdade
também.



Maurício Cavalheiro – 07/09/2014

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

CORPO E ALMA


Toda vez que eu te vejo
rumorejo
em teu ouvido
as nossas preferências sexuais
e de nenhuma delas
olvido.

Toda vez que eu te vejo
nua
a minha pele atua
sobre a tua
e o cheiro de amor
se perpetua.

Toda vez que eu te vejo
após
carícias e orgasmos
ratifico que o nós
é uma só
pessoa.



Maurício Cavalheiro – 04/11/2013
CONVENIÊNCIA


A vida é um jogo
de conveniências
u
n
i
laterais:

quem pode menos
chora mais.




Maurício Cavalheiro – 06/07/2013
LIBERDADE


Há quem se venda
por dinheiros
por querer
comprar o mundo.

Eu não tenho um centavo
mas também
não sou escravo
de ninguém.



Maurício Cavalheiro – 25/09/2013

terça-feira, 16 de setembro de 2014

ATO DE CONTRIÇÃO


 Roubou palavras
 de poemas
 para domesticar o coração
 que traíra.

 Na articulação
 faltou lisura
 faltou ternura
 faltou a contrição imaculada.

 E o amor morreu
 Por verborragia.



 Maurício Cavalheiro – 16/07/2013
SIMPLES ASSIM


Quem ama
não fere
quem fere
não ama

Perdão
se desfere
depois
melodrama

Desgaste
que mata
o amor
flor sem haste

Quem ama
não fere
quem fere
não ama.



Maurício Cavalheiro – 01/02/2014
ALINHAVO


Cerzir o amor
horas a fio
no desafio
de tê-lo inteiro
é um labor
nem sempre astuto
do costureiro.

O amor puído
é um tecido
embolorado,
cheio de traça...
quando rasgado
não há remendo
que o satisfaça.

O amor-real
não tem costura
por ser tecido
sem impostura
sem malandragem.


Mas onde encontrar a tecelagem?


Maurício Cavalheiro

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

SABORES

Tudo que chega
com atraso
chega no prazo certo
se viesse antes
não teria o mesmo sabor.


Maurício Cavalheiro – 28/05/2013
SAUDADE BOA


Saudade boa é aquela
que
quando o peito ameaça doer,
quando a lágrima cisma em brotar,
você abre a porta
e me conforta em seus braços.

Saudade boa é aquela
que
quando o segundo se alonga,
quando a solidão se insinua,
você telefona
e diz: estou chegando.



Maurício Cavalheiro – 23/05/2014
SENILIDADE

 Fibras flácidas
 ratificam
 a derrota para o tempo.

 Olhos opacos
 se perdem
 nos abismos de outrora.

 Passos plácidos,
 imprecisos,
 arrastam o corpo encarquilhado.

 Haverá tempo
 para rever rastros,
 fazer a conta das perdas e ganhos?

 O baú de ouro
 será desnecessário:
 servirá aos abutres.

 A única fragrância
 na aridez do mundo
 virá da flor
 do Amor
 quiçá plantada.


Maurício Cavalheiro – 11/06/2013

domingo, 14 de setembro de 2014


O ALIENÍGENA

 
Eu venho
do planeta amniótico
aterrissei
no planeta Terra
e fiquei aterrorizado

Sou o
osrevni
sou o
otsopo

das bocas cheias de faca
dos olhos cheios de pedra
das mãos cheias de sangue
das pés cheios de lama

Não me acostumo
com tais costumes

Qualquer dia me matam
por medo de conspiração.
 

Maurício Cavalheiro – 27/08/2014

EMBRIAGUEZ


Eu bebo o canto
do passarinho
no galho em flor
da laranjeira.

Degusto a lua
em suas fases
enquanto borda
constelações.

Respiro a chuva
que acaricia
o solo ansioso
por brotaduras.

Das criancinhas,
colho sorrisos
que pulverizam
desesperanças.

Ouço, nas pausas
entre as palavras,
revelações
indivisíveis.

Monto no dorso
do vento e fujo
pelos caminhos
dos devaneios.

Matei dragões,
mastiguei pedras,
quebrei espinhos
e o mal que havia.

Chamam-me louco!
Se sou, não sei.
Sei que não vivo
sem a poesia.


Maurício Cavalheiro – 22/08/2014