terça-feira, 28 de julho de 2009

AS APARÊNCIAS ENGANAM


Depois de colocar as mercadorias no porta-malas, Luiza recolheu alguns centavos da bolsa para gratificar ao menino do supermercado que a auxiliara. Tinha ojeriza a supermercado. Entretanto, submetera ao sacrifício para organizar o jantar que o marido ofereceria para empresários europeus.
Instalando-se no automóvel mirou-se no retrovisor alinhando os cabelos com as mãos. Retocou o batom e girando a chave manobrou o veículo rumando para o colégio onde sua filha estudava.
“Deverei usar um Dior ou um Coco Chanel?”- pensava enquanto superava avenidas. Absorta, quase ignorou a filha que a esperava comendo um sanduíche.
- ‘Tá distraidaça dona Luiza!?
- Já falei que não quero você usando esse vocabulário, Diana.
- Dá um tempo, mãe!
- ...E você sabe que eu odeio quando você come dentro do carro.
Afrontando a mãe, Diana lambeu vagarosamente os dedos, sentou-se no banco traseiro e pilheriou:
- Tá a fim, mãe? Tá uma delícia...
Luiza calou-se: eram inúteis as reprimendas à filha de quinze anos. Diversas vezes cerrara os olhos investigando o passado em busca de algum erro que cometera na educação da filha.
- É hoje o jantar com os bacanas?
- É.
- Tô pulando fora... Não tenho saco pra aturar essas babaquices.
A decisão da filha deixava-a aliviada. Era prudente que esta se ausentasse, caso contrário poderia comprometer o sucesso daquele compromisso.
- Olha o sinal, mãe! Tá cega?
A advertência da filha fê-la imprimir o pé no freio e evitar um acidente.
Sem que percebessem, um menino de rua, de cor negra, esfarrapado, descalço, foi se aproximando do automóvel. Quando o viram, assustaram-se. Luiza pressupôs um assalto. Pensou omitir o rolex, as pulseiras e os colares de ouro. Mas, receou uma investida letal. A filha, pétrea, segurava o sanduíche.
- O que... que... você... quer? Indagou Luiza temerosa. Por favor... não nos faça... mal...
O menino, macérrimo, permaneceu olhando-as, sem dizer uma palavra. Quando o semáforo liberou o tráfego, ele, num arrebatamento, subtraiu o sanduíche das mãos de Diana e fugiu.
O menino estava com fome.
Publicado no Nheengatu-Mirim (Jornal da Academia Pindamonhangabense de Letras)

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