domingo, 2 de agosto de 2009

MISSA DE DOMINGO



O domingo finalmente chegara para desfazer a curiosidade daquela cidadezinha de três mil habitantes, escondida no interior paulista. Naquele dia, a única igreja da cidade foi incapaz de acomodar a população, que queria conhecer o novo pároco.
Dona Maria, da quitanda, mandara confeccionar um vestido amarelo com flores vermelhas, especialmente para a ocasião. Atanagildo recuperara o terno sexagenário que usara em seu casamento com a finada Landinha. Dona Estelinha, obesa e falastrona, proprietária de uma doçaria, enfiada num modelito que encomendara da capital, preocupava-se com o cumprimento do vestido, que ameaçava-lhe expor as coxas. Vez ou outra agarrava a extremidade do traje, puxando-o para baixo. Tavinho procurava esconder-se atrás do folheto litúrgico, para não presenciar a cena. Porém, incontrolável, arriscava uma olhadela e caía na gargalhada.
Os fiéis começaram a consultar o relógio, desconfiados sobre a vinda do novo padre. A missa seria realizada às 9:00hs; e os relógios precisavam 9:15hs.
Nesse momento, um automóvel coberto pela poeira da estrada, estaciona em frente à igreja. Nele o padre e um maltrapilho que, descendo, revelou que a causa do atraso fora um pneu furado e um estepe quase vazio.
- Obrigado, padre - agradeceu o indigente entrando na igreja.
O padre sorriu, ajeitou a batina surrada, retirou uma Bíblia do veículo e ascendeu aos degraus logo atrás do seu companheiro de viagem.
O povo, resistente pela curiosidade, acompanhou, com os olhos, a caminhada do padre até o altar.
- Ele é bem novinho, né, Estelinha!?
- E bonitão também, Maria.
- Ai, ai, ai... olha o sacrilégio!
O maltrapilho, pés no chão, barba branca desleixada, abordava cada fiel, estendendo a mão e oferecendo um sorriso. "Não tenho trocado" dizia uns, enquanto outros simplesmente o ignoravam. Chegou a ouvir alguém sugerir que o retirassem dali, pois a igreja era um lugar sagrado, não uma casa de vagabundos. Determinado, continuou a peregrinação. Alguns até deram-lhe umas moedas.
No altar, o padre sem dizer nenhuma palavra, organizava a mesa, abrindo a Bíblia no Evangelho de São Mateus. "Que padre chato!" resmungou alguém. "Nem bom dia ele disse!" reclamou outro. "Vai ver que ele pensa que tem o rei na barriga!" ranzinzou um sexagenário.
O maltrapilho aproximou-se do altar, retirou o microfone do pedestal. Algumas pessoas foram para retirá-lo e expulsá-lo da igreja. Entretanto, com um pequeno gesto da mão, o padre as impediu.
- Irmãos e irmãs... Não subjulguem ninguém pela aparência... Quem vê a mim, sente repugnância em razão da minha indumentária, da minha aparência... Ofereci à muitos a minha mão... não para esmolar, mas para uma saudação. A grande maioria torceu o nariz. Uns pensaram até em me retirar daqui. Outros, deram-me algumas moedas... Não preciso de dinheiro!
O povo estava aparvalhado. Quem seria aquele maltrapilho que se atrevia a ocupar o microfone do padre para repreendê-lo?
- Não fiquem com essa cara... Acho que já está na hora de me apresentar: sou o padre Francisquinho. A partir de hoje serei o pároco dessa igreja.
Enquanto as pessoas cochichavam, o padre prosseguia:
- Esse que está trajado de padre, é o meu sacristão. Nasceu com um pequeno defeito: jamais pronunciou uma palavra. Por isso todos o chamam de Mudinho.
- Não queremos nenhum padre que nos faça de idiotas!
Padre Francisquinho interrompeu o seu colóquio para procurar por quem havia proferido aquela frase. Se o rechonchudo Adamastor não procurasse, desesperadamente, se esconder atrás de dona Estelinha, talvez o padre não saberia, até hoje, que fora ele o autor da exclamação.
Placidamente o padre caminhou até o último banco.
- O senhor se considera um idiota?
Adamastor olhou de soslaio. Dissimulado, corrigiu os olhos para o folheto litúrgico.
O padre permanecia aguardando a resposta. Dona Estelinha, empurrando-o com o cotovelo, cochichou "O padre tá falando com você". Adamastor que suava até pelas orelhas não teve alternativa. Reuniu coragem e justificou-se:
- Um padre não deve mentir... e o senhor mentiu sobre a sua identidade fazendo-nos parecer idiotas.
Sereno, o sacerdote fitou por alguns segundos a cruz no altar e depois falou:
- Chama-me de hipócrita... O que fiz foi para avaliar a cristandade de vocês; assim como se avalia um aluno para definir a diretriz a ser empregada em seu ensinamento... Isso não é hipocrisia... Hipocrisia é estar aqui, na casa do Pai, e repudiar a saudação de um maltrapilho... A veste não é sinal de superioridade. Todos nós nascemos nus! Portanto, iguais. Ninguém é melhor do que ninguém em razão da roupa. Muito pelo contrário. Existem muitas pessoas que se vestem de ouro e, por dentro, estão como o sepulcro: podres.
Adamastor ruiu no banco, enquanto o padre retornou para o altar e celebrou a missa.

Um comentário:

  1. demorei mas vim rs.. adorei a missa d domingo hahaha mt criativa!.. Bjuss
    Thais

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