terça-feira, 4 de agosto de 2009

O PÓ BRANCO


Após mais um dia de trabalho, Ataulfo dirigiu-se com alguns amigos para uma choperia, pretendendo abster-se dos problemas do escritório e do mundo. Entretanto, como nos diálogos predominavam os atentados terroristas, decidiu retornar para o aconchego do lar.
Instalou-se no automóvel e pouco mais de um quarto de hora, estacionava em frente ao número 36, da Alameda dos Querubins.
Superou o portão e, depois de alguns passos, penetrou a chave na fechadura e adentrou.
- Nicinha!!! Ô Nicinha!!!
Desatou a gravata, jogando-a na poltrona.
- Nicinha, cheguei!!!
Lançou o paletó sobre a cama. Retirou quase toda a roupa. Ficou apenas de cueca.
- Nicinha!!! Cadê você, Nicinha!!!
"Ô mulherzinha pra bater perna. Nunca está quando eu preciso" pensava, caminhando para a cozinha.
Abriu a geladeira e retirou uma cerveja. Preparou uma porção de presunto e sentou-se à mesa, onde estava depositado o jornal do dia, que estampava cenas da guerra contra o terrorismo de Osama Bin Laden.
"A resistência do líder Talibã, e a intransigência norte americana, estão dizimando inocentes".
Por mais que Ataulfo quisesse ficar alheio aos acontecimentos, não podia. Com o jornal nas mãos, procurou ler todos os artigos que tratavam daquele episódio. Deteve-se diante de um artigo:

"Antraz - a resposta Talibã"
Dezenas de pessoas já foram contaminadas
por um pó branco que, geralmente, chega
ao destino por via postal. O simples contato
tem provocado o Antraz, doença que pode
causar a morte.

Ataulfo, com repugnância, lançou o jornal ao chão, sorveu o restante da cerveja e levantou-se para pegar outra. Nesse momento, ao olhar novamente para a mesa, avista um envelope.
- De quem será essa carta? Resmungou. Será de outro credor?
Volveu-se para pegá-la. Quando a abriu, estremeceu: não havia nenhuma correspondência dentro do envelope; mas, sim, um PÓ BRANCO! Começou a tremer e, a sua reação fez com que o conteúdo do envelope caísse sobre sua mão.
- VOU MORRER!!! Gritou desesperado. VOU MORRER!!!
Ataulfo ruiu ao chão. Começou a tossir e a sentir uma forte dor no peito.
- SÃO OS SINTOMAS!!! VOU MORRER!!! Gritava tanto, que toda a vizinhança poderia ouvi-lo. Talvez fosse esse o seu desejo: que alguém viesse para socorrê-lo.
Cada minuto parecia ser um século. Respirava com dificuldade. Começava a sentir o hálito da morte.
- VOU MORRER!!! NICINHAAAAAAAA!!!
Nicinha entra alvoroçada e desfaz-se rapidamente de alguns embrulhos. Socorre o marido.
- O que foi, Ataulfo??? O que você está sentindo, pelo amor de Deus???
- Vou morrer, benhê... Fui contaminado pelo antraz... Malditos terroristas!!!
Nicinha também começa a gritar em prantos.
- Eu não quero ficar viúva!!!
- Você vai encontrar alguém melhor que eu...
- Não quero ninguém!!! Eu só quero você, meu amor!!!
- Cuide bem dos nossos filhos...
- ...
- Nicinha... balbuciou - Preciso fazer uma confissão pra você... antes que seja tarde demais...
- Agora não é hora... deixa pra depois...
- Mas, eu vou morrer!!!...
- ...
- Nicinha... Esforçou-se, olhou dentro dos olhos da esposa e revelou: eu traí você... e várias vezes... com a Julinha... com a Nanda... com a Raimunda... como se chama aquela mesmo que trabalha na loja do Orlando?
Se ele não estivesse nos braços da morte, ela, certamente, o expulsaria de casa depois de decepar-lhe o falo. Aquele infortúnio exigia que ela o absolvesse.
- Qual o homem que nunca traiu sua mulher? Isso é apenas um detalhe, insignificante nesse momento.
Ataulfo ameaçava fechar os olhos, como se ouvisse o chamado da morte.
- Onde você se contaminou, meu amor?
Com dificuldade, ele apontou para a mesa. Nicinha olhou e não viu nada.
- Não tem nada na mesa, querido... Apenas essa garrafa vazia de cerveja... esse resto de porção de presunto... Huuuuum! Que delícia!!!
- CUIDADO!!! Alertou ao ver a mulher com o envelope na mão.
- Cuidado??? Mas, isso é apenas um envelope... Foi a Dona Nenê que me deu... Estou preparando um bolo para o nosso aniversário de casamento... Acabou o fermento e ela me cedeu um pouco nesse envelopinho... - Revelou acomodando a cabeça do marido entre suas pernas.
Ataulfo, envergonhado, sorriu. Desconcertado, levantou-se e disse:
- Pensei que fosse o tal antraz... Ainda bem que não corro risco de morte... Graças a Deus estou vivo... e bem vivo!
A mulher, pasmada, dirigiu-se à área de serviço e retornou com uma vassoura na mão.
- Seu cachorro!!! Se não morreu pelo antraz, vai morrer de tanta vassourada... Mulherengo! Traidor! Vagabundo!
- Ai! Ui! Para com isso, benhê... Ai! Ui!

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