LAMBE-LAMBE
Meu
avô se sentia importante
às
vésperas das festas natalinas
no
terno de missa, pouco usado:
linho
xadrez em tons naftalina.
As
mãos apoiadas na bengala,
o
queixo ligeiramente altivo,
o
chapéu furtando-lhe a calvície,
o
olhar cor do céu desmilinguido.
Minha
avó, ao lado, emurchecida,
refém
do silêncio amedrontado,
pedia
através de ave-marias
o
fim da vida, a extinção do fardo.
Os
onze filhos de pés descalços,
olhos
no chão quais bichos do mato,
não
ensaiavam insurreições
porque
elas eram mortais pecados.
Na
praça em frente à remota igreja
de
Aparecida, ao sol escaldante,
o
meu avô escolhia a pose
para
o registro do lambe-lambe.
Acreditava
que a imagem augusta
o
inseriria entre os imortais...
Mas
o retrato da eternidade
alguém
rasgou, não existe mais.
Maurício
Cavalheiro